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Lei da Inteligência Artificial apareceu do nada

Entrou em regime de urgência, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 21/2020, redigido pelo deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE). É o Marco Legal do Desenvolvimento e Uso da Inteligência Artificial no Brasil. Ninguém estava sabendo. Ninguém na indústria, ninguém nas organizações da sociedade civil que costumam tratar de temas ligados à tecnologia, tampouco os principais acadêmicos do setor. Apareceu do nada e, num repente, estava para tramitar em urgência.

O texto, que ainda pode ser emendado, não é ruim. Só que tampouco é bom. “Uma base de nulidades e platitudes”, ouvi de alguém que conhece particularmente bem o tipo de inteligência artificial que temos hoje. Uma lei que, como está, não serve para rigorosamente nada. No máximo, exigirá que empresas contratem advogados para ter certeza de que estão nos conformes.

E isso é particularmente estranho, porque não é a praxe da Câmara dos Deputados. Tecnologia digital é complicado. Em geral, quando leis do tipo são redigidas, os parlamentares fazem como deve ser feito, costumam cuidar direito disso. Convocam publicamente quem se interessa pelo tema, promovem debates, ouvem sugestões. Quando finalmente se chega a uma minuta de texto, cada artigo, cada parágrafo segue sendo intensamente debatido. É por isso que temos um bom Marco Civil da Internet e uma boa Lei Geral de Proteção de Dados. Porque quem entende do assunto foi consultado, participou da elaboração.

Pois é — a turma de sempre, desta vez, nem foi convidada a participar, nem sabia que ia tramitar. E, ora, quanto mais com urgência. Como se fosse para ontem.

Em abril deste ano, a União Europeia abriu para debates o texto de sua regulação de inteligência artificial. Ainda não está tramitando no Parlamento — a minuta do projeto foi apresentada ao público para colher impressões. Antes disso, houve dois anos de preparativos e discussões até chegar ao texto.

Mas a Câmara dos Deputados quer aprovar algo a toque de caixa.

Isso é um problema, porque inteligência artificial é um tema particularmente espinhoso, que conviverá conosco mais e mais nas próximas décadas. Inteligências artificiais tomarão decisões que afetarão nosso cotidiano, que terão impacto nos destinos do país, em alguns casos decisões de vida e morte. Literalmente.

Será natural que bancos tomem decisões a respeito de conceder crédito a partir de algoritmos. Os recursos humanos de empresas contarão com programas do tipo para selecionar funcionários. Quando um carro autônomo atropelar e matar alguém, terá sido uma rotina de inteligência artificial a atuar ali. Contratos poderão ser redigidos com essa tecnologia. Assim como cânceres serão detectados ou não com ela, e cirurgias no cérebro, no coração serão feitas guiadas por esse tipo de programa.

O nome mais correto não é inteligência artificial, e sim aprendizado de máquina. Porque o computador aprende a partir dos dados que carregamos e das premissas que nós, humanos, injetamos. A primeira versão do Google Photos identificou pessoas negras como gorilas. O computador não é racista. Mas foi alimentado com milhares de fotos de rostos humanos e uma ínfima fração era de pessoas negras — o programa não aprendeu como eram esses rostos. O resultado foi racista.

Tem de regular por causa disso. Porque problemas acontecerão e, muitas vezes será difícil saber por quê. E, com frequência, decisões injustas ou que causem dano sério ou mesmo que matem serão tomadas porque uma inteligência artificial foi alimentada com dados que impunham viés a suas decisões.

Algoritmos de aprendizado de máquina já decidem que mensagens políticas vemos com mais ou menos frequência nas redes sociais. Basta ver como andamos irritados e radicalizados para entender o estrago que podem causar.

Pedro Doria - Assinatura

Por Pedro Doria

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