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Decisão do STF sobre dados controlados por empresas localizadas no exterior envolve soberania, devido processo e inovação 

Por Carlos Affonso Souza
Atualização:
Carlos Affonso Souza. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Internet é uma rede que atravessa fronteiras. Da mesma forma que uma comunicação pode chegar em instantes do outro lado do mundo, empresas que atuam na rede podem optar por armazenar dados em um determinado país e atuar em tantos outros, sempre respeitando as suas respectivas leis nacionais.

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Em 2001, através do Decreto nº 3.810, o Brasil incorporou à legislação nacional os termos do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Brasil e os EUA (na sigla em inglês, MLAT). Esse acordo estabelece o devido processo para que autoridades brasileiras ou norte-americanas requeiram dados umas às outras em matérias de investigação, prevenção de crimes e processos de natureza criminal.

Mais de 20 anos depois, o Supremo Tribunal Federal vai decidir sobre a constitucionalidade do MLAT ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) nº 51, ajuizada pela ASSESPRO Nacional. Nela, a associação pretende que o STF esclareça que o acordo de cooperação é constitucional.

Não reconhecer a constitucionalidade do MLAT, nesse momento, ocasionaria um verdadeiro tilt nos canais diplomáticos de requisição de dados e lançaria incertezas sobre o cumprimento de cartas rogatórias. Ninguém quer isso. Mas não custa indagar o que mais está em jogo e quais efeitos podem emanar da decisão do STF?

O procedimento para obtenção de dados via MLAT pode ser aperfeiçoado, sobretudo em termos de celeridade, mas a sua crítica não deve importar na adoção de atalhos que podem ferir o devido processo ao franquear o acesso direto a dados controlados por empresas localizadas no exterior (e consequentemente sujeitos à legislação estrangeira).

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Autoridades brasileiras, ancoradas em uma interpretação do Marco Civil da Internet, vêm buscando reconhecer o direito de acessar diretamente esses dados. A recusa de acesso por parte das empresas, que direcionam as demandas aos termos do MLAT, não representa qualquer negativa de reconhecimento da lei brasileira. Ao contrário, o MLAT é legislação nacional.

É importante então não confundir o debate sobre o qual o STF vai decidir, envolvendo a constitucionalidade do MLAT como mecanismo para acesso a dados, com aquele envolvendo o quase bloqueio do aplicativo de mensagens Telegram. Nesse último, se tratou de hipótese radicalmente distinta, em que empresa estrangeira solenemente ignorou as ordens emitidas pelas autoridades locais e a aplicação da lei nacional.

Cada país procura hoje definir o seu protagonismo no cenário global sobre soberania digital. O Brasil, com a proximidade de uma decisão pelo STF, pode afirmar a sua tradição de diálogo diplomático e de inovação na regulação e na governança da rede. O país, inclusive, acaba de aderir à Convenção de Budapeste, que justamente facilita a cooperação internacional para combate aos crimes cibernéticos.

Exigir a localização forçada de dados no país, ou impor o acesso a dados controlados por empresas localizadas no exterior sem respaldo no país destinatário, representam a escolha de alternativas que podem infringir direitos, violar o devido processo e afastar investimentos.

A imposição unilateral de um modelo de acesso a dados fora do acordado com outros países parece estimular o isolamento ao invés de, como é próprio da Internet, promover conexões.

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*Carlos Affonso Souza, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS)

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