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Por André de Souza — Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu o alcance de um decreto de 2019 do presidente Jair Bolsonaro que possibilita o compartilhamento de dados pessoais entre os órgãos da administração pública federal. Foram impostas algumas condições, como a de que os dados compartilhados deverão se limitar "ao mínimo necessário", havendo ainda a necessidade de adoção de mecanismos que permitam responsabilizar servidores que cometam abusos.

Também foi dado um prazo de 60 dias para o presidente reformular o Comitê Central de Governança de Dados, que hoje conta com sete integrantes apontados por diferentes órgãos do Poder Executivo. O objetivo é abrir o comitê para a participação de "outras instituições democráticas" e conferir a seus membros "garantias mínimas contra influências indevidas".

O ministro Gilmar Mendes é o relator de duas ações sobre o tema no STF, apresentadas pelo PSB e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na sessão de quarta-feira, ele concluiu a leitura de seu voto, no qual impôs várias condições para o compartilhamento de dados. O ministro foi acompanhado pela maioria dos colegas de Corte.

Os ministros André Mendonça e Nunes Marques já tinham votado na quarta, tendo discordado de alguns pontos. Eles defenderam, por exemplo, um prazo maior para o governo reformular o comitê. Nesta quinta-feira, quem discordou de Gilmar Mendes foi o ministro Edson Fachin. Ele queria derrubar todo o decreto, dando também um prazo de 60 dias o governo editar um novo.

Na sessão de 1º de setembro, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, defendeu o decreto, mas destacou que outro já estava em elaboração para aperfeiçoar o atual, e que o governo federal estava aberto a sugestões. Ele também afirmou que o objetivo era apenas buscar a digitalização dos serviços para melhorar a prestação dos serviços.

Durante o julgamento, o ministro Ricardo Lewandowski citou o risco para a democracia representado pela coleta maciça de dados.

— O maior perigo para a democracia nos dias atuais não é mais representado por golpes de Estado tradicionais, perpetrados por fuzis, tanques ou canhões, mas sim pelo progressivo controle da vida privada dos cidadãos levado a efeito por governos de distintos matizes ideológicos, mediante a coleta maciça e indiscriminada de informações pessoais, incluindo de maneira crescente o reconhecimento facial — afirmou Lewandowski.

Pelo decreto, o Comitê Central é hoje composto por sete integrantes, dos quais dois oriundos do Ministério da Economia, um da Casa Civil, uma da Controladoria-Geral da União (CGU), um da Secretaria-Geral da Presidência da República, um da Advocacia-Geral da União (AGU), e um do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Pelo voto de Gilmar, no prazo de 60 dias, o presidente deverá "atribuir ao órgão um perfil independente, plural, aberto à participação efetiva de outras instituições democráticas, e conferir aos seus integrantes garantias mínimas contra influências indevidas".

"Cuida-se, a rigor, de instituição com perfil insular, hostil a qualquer proposta de abertura democrática e de pluralização do debate e, nessa medida, fechada à participação de representantes oriundos de outras instituições republicanas e de entidades da sociedade civil", diz trecho do voto de Gilmar.

Condições que deverão ser seguidas

O relator votou para suspender apenas o trecho que trata do comitê. No restante, seu voto foi no sentido de impor uma série de balizas que devem ser seguidas quando as autoridades se valerem do decreto para o compartilhamento de dados.

Ele destacou, por exemplo, que o compartilhamento de dados pessoais deve ser feito levando em conta "propósitos legítimos, específicos e explícitos". Também disse o compartilhamento deve ser compatível com as finalidades informadas, e limitado ao mínimo necessário. Além disso, deve haver o cumprimento integral do estabelecido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

O Comitê Central de Governança de Dados deverá ter "mecanismos rigorosos de controle de acesso ao cadastro base do cidadão, o qual será limitado a órgãos e entidades que comprovarem real necessidade de acesso aos dados pessoais nele reunidos". Também deverá ser criado um sistema eletrônico de registro de acesso aos dados, para poder depois responsabilizar eventuais abusos

O poder público poderá ser responsabilizado por abusos, podendo depois promover ação contra o servidor responsável pela irregularidade. Os servidores e agentes públicos também poderão responder por ato de improbidade administrativa, além de sanções disciplinares previstas nos estatutos dos servidores federais, municipais e estaduais.

O compartilhamento de informações pessoais para atividades de inteligência deverá observar várias regras, como a "adoção de medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público", e a "instauração de procedimento administrativo formal acompanhado de breve e exaustiva motivação para permitir o controle de legalidade pelo Poder Judiciário".

Gilmar disse ainda que os órgãos públicos também deverão dar a devida publicidade às hipóteses de compartilhamento de dados, de preferência em seus sites. Além disso, pelo seu voo, a inclusão de novos dados pessoais deverá ser justificada "prévia e minudentemente, à luz dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, e dos princípios gerais de proteção da LGPD".

Ações

Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro editou um decreto com regras para o compartilhamento de dados dentro da administração pública. Em 2020, com base nesse decreto, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) autorizou o acesso de dados dos motoristas brasileiros pela Agência Brasileia de Inteligência (Abin). O caso, revelado pelo site "The Intercept Brasil", levou o PSB a apresentar uma ação no STF pedindo a anulação da medida, que poderia levar ao compartilhamento de dados de 76 milhões de motoristas.

Na ação o PSB, viu uma "absoluta ausência de clareza quanto à real finalidade" da medida, que seria uma transferência de dados "massiva e indiscriminada". O partido sustentou que isso "põe em risco o basilar princípio democrático, fundante de nossa ordem constitucional, visto haver risco de vigilância massiva sem controle de cidadãs e cidadãos sem qualquer envolvimento com ações ou práticas ilegais".

Após a repercussão do caso, o Denatran revogou a autorização, informando ainda que os dados não chegaram a ser compartilhados. O relator no STF, o ministro Gilmar Mendes, deu prosseguimento à ação, uma vez que o PSB havia apontado que o decreto afrontava alguns direitos previstos na constituição, como a inviolabilidade da intimidade e o sigilo de dados.

Em dezembro de 2020, a OAB apresentou uma nova ação, pedindo a derrubada do decreto. Para a entidade, sob a desculpa de que a norma facilita o acesso de brasileiros a serviços públicos federais, "está sendo erigida uma ferramenta de vigilância estatal extremamente poderosa, que inclui informações pessoais, familiares e laborais básicas de todos os brasileiros, mas também dados pessoais sensíveis, como dados biométricos, tanto quanto 'características biológicas e comportamentais mensuráveis da pessoa natural que podem ser coletadas para reconhecimento automatizado, tais como a palma da mão, as digitais dos dedos, a retina ou a íris dos olhos, o formato da face, a voz e a maneira de andar'".

O governo federal se manifestou nas ações, pedindo que elas sejam rejeitadas e defendendo a legalidade do decreto. Em um dos documentos enviados ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) argumentou que o texto busca "implementar maior controle e transparência quanto ao fluxo de dados, bem como buscando estabelecer segurança jurídica para o tratamento de dados pessoais".

Mesmo com o cancelamento do compartilhamento de dados dos motoristas brasileiras, a Abin, por meio da AGU, também defendeu a medida. Destacou por exemplo que, em atividades de inteligência, há prevalência do interesse público em detrimento da "autodeterminação informativa", ou seja, o poder do cidadão sobre seus próprios dados.

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